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PLURAL: os textos de Marcio Felipe Medeiros e Rogério Koff

Negacionismo enquanto fenômeno social
Marcio Felipe Medeiros
Sociólogo e professor universitário

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Anegação da realidade enquanto evento social não é algo novo. Hoje, muitos ainda negam a existência da Covid, dizem que não passa de um devaneio coletivo. Difícil acreditar que um "devaneio" tenha parado o mundo e lotado os hospitais. Entretanto, fenômenos semelhantes já ocorreram no passado. Na virada do milênio, inúmeros grupos acreditavam que o mundo iria terminar na virada de 1999 para 2000. Como bem sabemos, o mundo não terminou, mas muitos destes grupos permaneceram, pois após terem suas fantasias frustradas, começaram a criar outras teorias que justificavam que o mundo, embora não houvesse terminado naquela data, terminaria posteriormente devido a outros fatores. No universo da lógica, esta linha argumentativa é a "falácia do escosses de verdade", que visa criar argumentos posteriori quando um argumento é invalidado.

DISSONÂNCIA COGNITIVA

Um conceito bastante interessante para compreender a situação que vivenciamos é o de "dissonância cognitiva". Este conceito diz respeito a um desalinhamento entre expectativas e imagem que geramos de nós mesmos e do mundo e a realidade de como as coisas funcionam. Tomando o atual contexto como exemplo, pessoas que gostariam de voltar a ter uma vida normal, como se nada estivesse acontecendo, ignoram a realidade de que ao agir assim estão contribuindo para a lotação dos hospitais sendo infectadas e infectando outras pessoas. A situação em que leva a dissonância cognitiva nunca é uma situação simples. Está relacionada, em geral, ao estresse e emoções que afloram pela situação na qual a pessoa está passando. No fundo, quem nega a realidade está, em boa medida, precisando de ajuda para passar por este momento e, talvez, demande algum acompanhamento psicológico.

SAÚDE MENTAL

Não podemos esquecer que, além de precisarmos cuidar da saúde física, precisamos sempre prestar atenção na saúde mental. Prestar atenção se estamos ficando mais irritadiços que o normal, mais tristes que o normal, enfim, que nosso humor anda variando muito além do que temos costume é um indicativo importante que precisamos de algum amparo. Do mesmo modo que prestar atenção ao nosso comportamento, prestar atenção naqueles que nos rodeiam se faz igualmente importante na atual conjuntura. Cuidar e promover afeto neste momento difícil é algo que precisamos nos atentar e cultivar neste momento.

Massacre midiático
Rogério Koff
Professor universitário

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Em outubro passado, eu havia tratado sobre a autobiografia de Woody Allen. Retorno ao assunto, porque este é o melhor livro que li recentemente. Allen conta a história de sua vida, sobre como iniciou seu trabalho de roteirista, passando a ator e diretor, em um texto repleto de suas conhecidas ironias sobre a falta de sentido da vida. Mas lá pela metade da obra, desaparece o comediante. Em seu lugar temos a narrativa de um homem amargurado. Era o momento de falar sobre a ruptura de seu casamento de doze anos com a atriz Mia Farrow, a quem dirigiu em alguns de seus melhores filmes, e sobre as graves consequências deste fato.

Quando Allen conheceu Farrow, ela já tinha sete filhos adotivos. Segundo o escritor, ela não era exatamente o que se pode chamar de uma mãe dedicada. Ainda assim, os dois adotaram outra menina chamada Dylan. Mais tarde o casal teve um filho biológico, o qual Mia diversas vezes alegou ser resultado de sua relação com Frank Sinatra. Durante as filmagens de "Maridos e Esposas", em 1992, a crise irrompeu. Farrow descobriu que Allen estava tendo um caso com sua filha Soon-Yi, de 22 anos, que ela havia adotado quando estava casada com o músico André Previn. Woody Allen e Soon-Yi continuam juntos desde então e acabaram casados legalmente.

"Agora que você roubou uma de minhas filhas, vou tirar de você a outra", a atriz teria ameaçado. Farrow acusou Woody Allen de molestar sua filha Dylan, então com sete anos. Após investigações de especialistas que examinaram a menina e uma batalha judicial estampada em todos os tabloides sensacionalistas, o diretor foi inocentado por absoluta falta de provas. Mas uma segunda onda de ataques aconteceu quando Dylan, já adulta, mas ainda influenciada pela mãe, publicou uma carta confirmando que havia sido estuprada.

Outro fato que motivou meu retorno ao tema foi a entrevista de Woody Allen ao programa de Pedro Bial, cuja conduta como entrevistador foi exemplar. Mais uma vez, Allen destacou que autoridades e especialistas já o haviam inocentado no passado. Não escondeu a tristeza por não ver sua filha adotiva e seu filho biológico há mais de 20 anos. "Eu não os reconheceria na rua", alegou. Fiquei impressionado com sua serenidade. Sofreu um massacre de produtores que boicotaram seus filmes nos Estados Unidos. A editora que publicaria seu livro de memórias rompeu o contrato. Enfrentou de cabeça erguida declarações de atores e atrizes que dizem que se arrependeram de trabalhar com ele. "Eles estão equivocados", limitou-se a dizer.

Aos 85 anos, transformado em pária na indústria cinematográfica e, injustamente, difamado como estuprador, Allen não parece, em momento algum, ressentido. Também impressiona sua humildade, quando afirma que nunca se considerou à altura de seus ídolos diretores. Talvez ele tenha nos dado uma lição. De nunca responder ao ódio com mais ódio. E de sempre tentar bravamente seguir com a vida em paz.


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